Sem papel, não há união estável no INSS
22/11/2024POSTADO EM: Notícias RH
Com o pretexto de ser uma medida antifraude, em 2019 foi criada a lei 13.846, de 18 de junho, que dificulta a comprovação de quem vive em união estável no âmbito previdenciário. Embora a Constituição Federal sugira que o Estado deve dar proteção especial à união estável, aqui é justamente o contrário. O Estado dificultando. É daquelas leis do Brasil para lá de bizarras.
Pessoas do mesmo sexo que tenham uma relação estável e duradoura, com ou sem compromisso patrimonial, podem registrar documentos que confirmem sua “união e comunhão afetiva” nos Cartórios de Registros de Notas do Rio Grande do Sul – Tuca Vieira/Folhapress
Ela limita que a união estável —apta a gerar direito de receber pensão por morte— precisa necessariamente que um dos sobreviventes colecione documentos 24 meses anteriores ao óbito. Como ninguém sabe o dia da morte, obriga que reciprocamente o companheiro esteja permanentemente arquivando documentos do outro, para assim se credenciar a ter a proteção social da pensão por morte.
Tais documentos que se recomenda guardar seriam evidências cotidianas da vida em comum, como comprovante de residência, despesas do casal ou provas da convivência, como fotografias, mensagens etc.
Se porventura a pessoa não é do perfil de guardar documentos, do ponto de vista previdenciário corre o risco de o relacionamento ser encarado como se nunca tivesse ocorrido.
A lei 13.846 cria uma situação esdrúxula no universo jurídico, pois o mesmo convivente da união estável pode ter todos os direitos da herança assegurados, enquanto pode ficar sem receber nada de pensão por morte, caso não tenha prova material contemporânea.
Detalhe. Não adianta o sobrevivente ter várias testemunhas para provar a união estável e compensar de certa forma a falta dos papéis. Referida lei também proíbe o uso exclusivo de testemunhas como prova de união estável, exceto em situações lacônicas como motivo de força maior ou caso fortuito. Estas exceções praticamente não são levadas em conta para amenizar a falta da papelada.
Polêmica desde o nascedouro, a lei continua dando o que falar. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já a analisaram e disseram que ela é compatível com a Constituição Federal. Eles não devem ter atentado que o papel do Estado é também de proteger esse formato familiar.
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Agora, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) definirá se esta lei vincula o Poder Judiciário ou apenas a administração pública acerca dos últimos 24 meses da convivência.
Formalmente, a defesa do Instituto pondera que a exigência dos documentos “não são comandos voltados a informar a atuação do Poder Judiciário. Trata-se, na verdade, de normas cujos destinatários diretos são os servidores do INSS”, que observará se os processos administrativos estão com prova contemporânea. Portanto, o Judiciário vai analisar se esse rigor seria aplicado só na esfera administrativa ou não.
No centro da discussão, está um casal que viveu por 50 anos juntos, sem nunca ter se separado, e constituíram família com cinco filhos. Com a morte da companheira, o homem —que não guardou todos os papéis— teve o benefício negado.
Pela lógica aplicada na lei, é menos importante que o casal tenha meio século de convivência. A união estável com dois anos de documentos bem guardados vale mais. Tem algo errado nos valores que o Estado considera como proteção especial da família e no próprio conceito de medida antifraude.
Fonte: Folha de São Paulo